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Fundação Serralves

Descrição

No dia 24 de Novembro de 2006 realizou-se a Reunião cultural da AEDAR na cidade do Porto, destinada preferencialmente aos membros da Associação no Distrito mas, tal como nas outras reuniões, foram convidados os associados de todo o País.

A reunião cultural de convívio teve lugar na Fundação de Serralves, tendo sido orador o Presidente da Fundação e Ex-Deputado, Dr. António Gomes de Pinho, que abordou o tema “A Fundação de Serralves, Pólo de Cultura no Norte de Portugal”.

O programa da reunião acordado com a Fundação previa uma visita guiada aos seus magníficos jardins, seguida de visita também guiada à exposição recentemente inaugurada no Museu de Arte Contemporânea de Serralves “Anos 80 – Uma tipologia” e, finalmente, o jantar convívio no restaurante da Fundação. Infelizmente nesse dia abateu-se uma grande tempestade sobre todo o País que impediu a visita aos jardins e a deslocação ao Porto de numerosos associados de várias regiões do Norte. O restante programa foi integralmente cumprido.

O jantar, em que participaram cerca de 50 pessoas, foi presidido pelo Vice-Presidente da AEDAR Dr. Fernando Correia Afonso, por impossibilidade da presença do Presidente, Eng. Eduardo Pereira, retido por compromissos inadiáveis em Lisboa.

O Dr. Correia Afonso interveio de início para agradecer à Fundação e ao seu Presidente o entusiasmo com que acolheram a proposta da Associação para a realização da acção na Fundação, bem como todas as facilidades concedidas que muito contribuíram para o seu êxito.

O Dr. Gomes de Pinho proferiu então a sua magnífica intervenção referindo todo o historial da Fundação, a sua posição de pólo de cultura ancorado na região Norte mas de referência incontornável a nível nacional e internacional e os seus objectivos a curto e médio prazo.

Seguiu-se um período de debate em que os presentes apresentaram as suas questões ou comentários ao orador e obtiveram dele os esclarecimentos pretendidos.


Intervenção de António Gomes de Pinho ( Presidente da Fundação de Serralves de 1995 a 2009) 


" Caros Amigos

 É com muita satisfação e alguma emoção que, de certo modo hoje regresso ao ambiente da Assembleia da República onde passei quase 8 anos e da qual me afastei à quase 20. Foi um bom tempo, feito de combates pelas ideias, com vitórias e derrotas, no poder e na oposição. Do muito que recebi, nessa inesquecível experiência, fica sobretudo a ideia do respeito pelos outros e de que há mais vida, para além da vida política, mas também de que a vida política é uma actividade nobre e essencial à construção do nosso futuro político.

 Hoje, porém, estamos aqui numa casa de cultura que é, por natureza um espaço de diálogo, de liberdade e de reflexão.

 Quero dizer-lhes que a Fundação de Serralves se sente muito honrada por acolher este jantar da Associação dos ex-Deputados da Assembleia da República e eu pessoalmente, por poder participar nele e partilhar convosco algumas reflexões.

 Numa casa de cultura é óbvio que não poderia deixar de falar de cultura e do papel nuclear que ela representa na sociedade contemporânea.

 Aliás, não haveria melhor pretexto para tal reflexão do que a visita que fizemos à exposição “Anos 80”. Ela é paradigmática sobre a relação da arte com a sociedade que é uma relação complexa e bivalente.

 Na verdade, a arte e a criação artística são em certa medida, um produto da sociedade. Reporta-se à sociedade – quer para pôr em evidência os seus valores, quer para os contestar. Muitas vezes para antecipar a sua evolução.

 Muitas artes têm servido de instrumento de ideologias políticas ou religiosas. Outras têm sido meras vítimas dessas ideologias. Mas a arte que perdura e que marca a sua época é a que parte da capacidade criativa do artista. De criar uma realidade distinta da que lhe serve de inspiração e de o fazer de forma livre e independente.

 A arte é a marca mais indelével do homem na história. O que recordamos dos egípcios são as suas pirâmides dos gregos os templos, os teatros romanos, as catedrais góticas e ainda hoje, os ícones de Paris são o Louvre e a Torre Eiffel, como o Hermitage o é de S. Petesburg.

 As cidades na sua feroz competição, pela afirmação da sua identidade e pela captação de instrumentos e turistas recorrem cada vez mais à arte, seja pela criação de grandes complexos culturais como o Guggenhaim de Bilbau, seja pela realização de grandes exposições, como Veneza, S. Paulo ou de Festivais como Salsburgo.

 Assim, a arte deixou de ser um privilégio de minorias para passar a ser um bem acessível a públicos cada vez mais amplos. Serralves é um bom exemplo, em 6 anos passamos de umas escassas dezenas de milhares de visitantes para cerca de 350 000, por ano. Desde que o Museu foi inaugurado, mais de 2 milhões de pessoas visitaram a Fundação, tornando-nos no museu mais visitado do País, apesar de não estarmos na capital e de o Porto ter uma pequena afluência de turistas.

A arte, nesta sociedade globalizada também se globalizou – as grandes feiras de arte são disso uma demonstração, atraindo multidões de compradores, mas também de curiosos ou de interessados, para quem a arte passará a fazer parte do seu quotidiano.

 Museus transformam-se em autênticas multinacionais da cultura, como o Guggenhaim, abrindo espaços franchisados em Bilbau, Berlim, Veneza, Las Vegas, Rio, Singapura, p. ex.

 Mas a arte também ganhou importância económica.

Estudos recentes mostram o seu impacto na criação de emprego, na promoção do turismo, no contributo para o PIB.

 Os Coleccionadores privados tornam-se poderosos e influentes na sua relação com os poderes públicos, como ainda recentemente aconteceu em Portugal com o Senhor Joe Berardo, a propósito de instalação da sua colecção em Lisboa, ou em França com a falhada tentativa do Senhor Pinault de instalar a sua colecção em Paris, acabando por deslocá-la para Veneza.

 Cada vez mais, empresas e pessoa privadas procuram através do seu apoio às artes, melhorar a sua imagem, comunicá-la e identificá-la com os valores da contemporaneidade. O Mecenato ou talvez melhor a sponsorização, tornou-se um procedimento de rotina nos grandes grupos económicos, com um retorno significativo e uma eficácia que se revela onde a publicidade já se esgotou e se tornou, portanto inútil.

 Mas a arte ganhou também um papel central, como elemento de aprendizagem e de formação – e daí, é cada vez maior a procura das escolas pelos conteúdos artísticos. Serralves, por exemplo, acolhe cerca de 100 000 jovens por ano e tem um programa pedagógico com cerca de 600 escolas.

 Citei alguns aspectos que exemplificam o carácter central da arte e da cultura em geral na nossa sociedade contemporânea. Outros poderiam ser igualmente desenvolvidos, como a relação com a moda, com o design ou com a publicidade.

 Vivemos um tempo de mudanças muito rápidas e profundas que põe em causa alguns dos pressupostos fundamentais em que se baseou a nossa sociedade.

 Contradições, instabilidade, insegurança, imprevisibilidade, conflitos, geram interrogações, dúvidas e por vezes angústias, quando não um sentimento de revolta.

 Ao mesmo tempo que a sociedade se tornou cada vez mais global e em que proliferam mecanismos de comunicação instantânea, emergem novas formas de nacionalismo e radicalismo que tornam mais difícil o diálogo político e os processos tradicionais de negociação internacional.

 Igualmente abre-se um imenso campo de avanço científico e tecnológico que provavelmente irá modificar profundamente as condições de vida das gerações vindouras.

 Neste contexto vale a pena perguntar e a arte? Terá ainda um papel?

 Ou será submergida pelo mercado, ou transformar-se-á num mero conteúdo de poderosa indústria de comunicação? Ou acabará por ser um mero instrumento político ao serviço de ideologias ou da sua negação?

 Eu acredito na arte. Enquanto forma mais profunda de exposição da nossa liberdade e criatividade.

 Quer para os seus criadores, os artistas, quer para todos nós que podemos ser por ela tocados.

 Posto em causa o paradigma que identificava a arte com o Belo, não deixa de ser verdade que a arte tem ainda uma imensa capacidade de nos atrair e de nos suscitar emoções estéticas; Mas também de nos interpelar sobre o mundo em que vivemos, de nos evidenciar tantas das suas facetas que por vezes ignoramos; de pôr em causa aquilo que julgamos adquirido, de abrir pistas para o futuro; de nos ajudar a compreender os outros e o outro que existe em cada um de nós; de como dizia Fernando Pessoa, “nos desassossegar”; de construir um território de liberdade e de criatividade, essencial para o nosso crescimento pessoal e colectivo.

 

E falando de Portugal, não tenho dúvidas que face às muitas debilidades que temos e ás ameaças com que nos defrontamos é a cultura um dos esteios da nossa identidade e um dos veículos mais fortes da nossa afirmação no mundo. Por isso, embora cientes do seu valor económico, não a podemos limitar a uma análise quantitativa de custos / benefícios, mas inseri-la numa visão estratégica do País e da nossa relação com o Mundo.

De um Mundo que a arte pode ajudar a tornar melhor. "


António Gomes de Pinho, 2008



 

 

 

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