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Leiria: almoço/conferência. Orador : Henrique Neto

Descrição

Seguindo o Plano de Actividades da AEDAR realizou-se no dia 12 de Outubro um almoço /conferência entre Ex- Deputados da Região, na qual esteve presente o Presidente da Câmara Municipal.

A Conferência foi proferida por Henrique Neto e teve como tema " Proteccionismo Esclarecido".


Proteccionismo Esclarecido

 

Arrisco-me a dizer que economia da nossa região, da mesma forma que a economia nacional, vai sofrer um longo período de estagnação de pelo menos vinte anos. São várias as razões para que assim seja: (1) modelo de especialização, herdado da EFTA, a sofrer uma concorrência feroz do Oriente; (2) insucesso escolar e reduzida formação dos trabalhadores portugueses; (3) excessiva concentração em poucos produtos e sectores; (4) fuga da maioria dos grupos económicos dos mercados externos; (5) inexistente concertação estratégica entre o Estado e as empresas: (6) elevado custo do Estado e ineficiência da administração pública; (7) falta de continuidade das políticas públicas; (8) conformismo das elites nacionais; (8) resistência à mudança, incoerência e lentidão das reformas  relativamente aos outros países; (9)  ausência de uma forte motivação nacional; (10) valor  excessivo da moeda europeia em relação ao dólar;(11) descapitalização provocada pelos investimentos, sem retorno, feitos no Brasil; (12) nepotismo e corrupção.

 

Todos estes factores podem, naturalmente, ser corrigidos, mas duvido que o sejam no espaço de uma geração. Outros países, como a Coreia, Singapura, Irlanda, Finlândia e a Espanha, entre outros, conduziram processos de forte mudança, mas possuem recursos humanos com um nível de formação muito diferente, para melhor, uma cultura científica e um nível de organização social incomparavelmente mais avançados. O que lhes permitiu uma maior unidade e continuidade na acção, uma orientação nacional mais consistente e um menor determinismo ideológico do que é corrente entre nós. Em Portugal, durante os últimos vinte anos, temos assistido a uma ideologia do poder político fortemente determinista, que se baseia na convicção de que a libertação do Estado dos seus compromissos históricos e a privatização da economia e de vários serviços do mesmo Estado, são factores suficientes, só por si,  para que a economia floresça e o País se desenvolva. Como sabemos, este modelo não tem tido sucesso, em parte por força da resistência de corporações e forças sociais bastante aguerridas, mas também por ausência de preparação e de coerência dos partidos e de sucessivos governos, por falta de continuidade das políticas e também pela  crescente falta de credibilidade da actividade  política e da ética social.         

 

Em qualquer caso, pessoalmente, não acredito que a aplicação desse modelo liberal possa ser, só por si, capaz de produzir os efeitos desejados, mesmo se aplicado com determinação, maior qualidade e mais coerência. Porque os constrangimentos referidos são muitos e o processo de globalização está demasiado avançado e nós demasiado atrasados,  para que um modelo económico de concorrência aberta das nossas empresas com o resto do mundo,  possa ter sucesso,  sem um longo período de estagnação económica e de sofrimento social. Ou seja, a crença num certo determinismo liberal, de acordo com as receitas que ainda recentemente nos foram propostas pelo grupo do Beato, constitui um fraco substituto para uma verdadeira estratégia nacional, que tem de ser muito mais elaborada e mais inovadora. Nesse sentido, considero que no actual contexto da globalização o modelo espanhol, a que chamarei de proteccionismo esclarecido, será o único que nos poderá conduzir à superação das nossas actuais dificuldades. Esse modelo caracteriza-se por uma forte intervenção do Estado - no caso da Espanha, estado central e estado regional – na prioridade ao desenvolvimento de mercados para as empresas, em particular em sectores da economia considerados estratégicos. Não se trata do proteccionismo tradicional, que historicamente sempre conduziu a perda de competitividade, mas a formas de concertação estratégica entre o Estado e as empresas mais dinâmicas e melhor posicionadas em cada actividade. Concertação que implica regras e objectivos claros e uma interacção muito forte entre os dirigentes empresariais, o sistema cientifico e tecnológico, o “lobby” espanhol em Bruxelas e as compras do próprio Estado, em particular nos sectores: energético, aeronáutico, ferroviário, militar, logístico e do ambiente. Contrariamente a Portugal, onde a acção do Estado se tende a situar do lado da oferta, o proteccionismo esclarecido da Espanha actua do lado da procura, o que é feito sem favores do Estado e em regime de sã concorrência  no plano interno. O favorecimento das empresas espanholas pelo Estado, que existe, situa-se preferentemente no plano externo, com o objectivo de criar vantagens competitivas na substituição de importações e, numa segunda fase, criando novas exportações. O que tem sido feito com grande sucesso, incluindo à nossa custa no plano das relações ibéricas, onde a Espanha conseguiu nos últimos vinte anos mais do que nos anteriores oito séculos. Basta recordar, entre outros, os erros cometidos pelos nossos governantes no acordo do Mibel, na aceitação do traçado do TGV, na ligação ferroviária de mercadorias à Europa e na destruição da pesca portuguesa.

 

Entretanto, a somar aos sectores estratégicos referidos atrás, acrescentaria o sector automóvel, historicamente mais antigo e onde o modelo de proteccionismo esclarecido foi testado. Este, como todos ou outros sectores, foram desde sempre encarados e desenvolvidos na óptica dos “clusters”, já que ao seu redor cresceram milhares de pequenas e médias empresas, das mais variadas áreas complementares, que têm vinda a reforçar, sucessivamente, a malha económica do País. Aliás, o modelo não se limitou à indústria e foi também o ponto de partida para a forte posição que a Espanha hoje ocupa no turismo, na agricultura e nas pescas, aproveitando de  uma fortíssima capacidade de intervenção dos governos espanhóis nos centros de decisão da União Europeia. 

 

Repito que o crescimento da economia portuguesa nos próximos vinte anos não terá muitas condições para nos aproximar da Europa e antevejo um longo período de divergência. O governo de José Sócrates, entretanto, acredita poder evitar a estagnação económica com anúncios sucessivos de grandes investimentos e de reformas vitoriosas, ainda que uns e outras sejam fracamente pensadas e escassamente trabalhadas e muitas sejam esquecidas pouco depois. Por outro lado, uma parte importante das reformas anunciadas são mudanças de sentido duvidoso, em particular quando tratam do acessório e desconhecem o essencial. Receio que resultado final seja, como tenho afirmado com frequência: os países não fecham, mas empobrecem.


12-10.2006

Henrique Neto

 

 

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